"LUX MUNDI Sua Luz Pode Vencer as Trevas do Mundo"

Sementes de Agitação

Bispos na Questão Agrária

Opiniões pessoais de um bispo que pensa com a própria cabeça

Na enchente crescente de papéis nas Assembléias da CNBB, este ano veio um texto de 55 páginas recheadas sobre Igreja e Questão Agrária no Início do Século XXI, com encaminhamentos para um Documento de Estudo.

Estranhei a insistência do texto na participação da Igreja numa mobilização organizada por setores que ainda querem resolver os problemas do campo pela luta de classes, do pobre contra o rico, do trabalhador rural contra o fazendeiro. Zelotas anticapitalistas querem instrumentalizar a força da Igreja para conseguir uma lei contra o tamanho das propriedades rurais.

A primeira versão do texto me parece vir de especialistas esquerdistas contra o crescimento da agricultura moderna. Forjam um falso dilema entre propriedade familiar e fazenda maior, entre consumo interno e exportação. Ainda me lembro de protestos contra projetos de fruticultura irrigada na Bahia. Diziam que o país devia produzir para o povo comer, em vez de produzir para outros. Será que algum cego ainda não quer ver o progresso trazido pela exportação de frutas?

Os mesmos setores ainda são contra o “agronegócio de exportação”, contra obras de infraestrutura: ferrovias, portos, aeroportos, contra barragens para usinas e irrigação. Tempos atrás eram contra Itaipu e Tucuruí, até contra Sobradinho.

Hoje são contra novas hidroelétricas e contra o aproveitamento dos recursos naturais da Amazônia. Preferem as usinas poluentes movidas a carvão e óleo, ou os atrasos da falta de energia? Profetas do atraso não vão melhorar a vida do pobre. Facões e foices e enxadas já perderam a luta contra o trator.

Tivemos uma rápida reunião em grupos para dar sugestões, mas o tempo foi curto para perder tempo com pequenas emendas. Seriam remendos novos em panos novos. Pedaços de cor diferente num tecido de uma só cor. Já no apagar das luzes ainda fiz um questionamento sobre a linha geral do estudo.

Depois deixei à disposição dos interessados uma colaboração escrita, na mesa de materiais disponíveis na sala de entrada, junto com um texto sobre meu projeto de um novo método de irrigação para plantar florestas no sertão.

Mas o texto crítico sumiu de repente. Será que o papel foi sequestrado para impedir que outros pudessem ver? Prefiro pensar que alguém levou para distribuir.

Teimoso como sou, venho colocar o texto à disposição dos companheiros pela internet, junto com essa reflexão e algumas sugestões de emendas. Uma só crítica pode ser mais útil que muitos elogios. Concordo que a CNBB continue a publicar textos fora da nossa especialidade, mas proponho que nossos documentos, os azuis e mesmo os verdes, não contenham afirmações de fácil contestação. Seriam usadas pelos adversários para desqualificar a nossa voz.

Diante de críticas genéricas aos poderes públicos nas entrelinhas do texto proposto, não posso deixar de louvar o esforço do governo para dar um socorro de emergência a muitos pobres, pelo bolsa família e pelo programa de luz para todos. Para o futuro, porém, o povo precisa do apoio de uma infraestrutura melhor e de um crescimento maior para poder ganhar o seu pão com seu próprio esforço, em vez de depender eternamente de esmolas. Um problema: nossos economistas têm medo do crescimento. Preferem pisar no freio. Outro problema: O aparelho inchado do governo gasta grande parte dos impostos com funcionários e com os juros da dívida pública interna que continua crescendo num ritmo perigoso.

Uma proposta com críticas pesadas contra poderosos deve ser feita com muito cuidado. Qualquer afirmação inconsistente vai enfraquecer o conjunto e pode servir de pretexto para rejeitar o trabalho todo e a nossa proposta de construir uma sociedade mais justa e solidária. Para o lado da esquerda militante tenho outra proposta: Formar bons capitalistas neoliberais para construir um capitalismo melhor.

Fizeram uma análise crítica da conjuntura agrária brasileira, de um ponto de vista anticapitalista, com reflexões mais filosóficas que práticas. Também quero filosofar, diante de um texto que vê no capitalismo um inimigo a combater, o maior culpado por todos os males, a barreira no caminho para um mundo menos injusto.

Acontece que não são as estruturas que formam pessoas. São pessoas que fazem estruturas. Revoluções derrubam poderosos e fazem outros tomar o poder. A especialidade da Igreja é formar pessoas capazes de construir estruturas melhores.

Zelotas judeus queriam derrubar o poder opressor dos romanos. Não sabemos qual seria o caminho da história se eles tivessem derrotado o império. O que sabemos é que só conseguiram a destruição de Jerusalém pelo exército vingador do imperador. Jesus indicou um caminho diferente para os cristãos, o caminho mais longo que passa pela conversão das pessoas.

Também não sabemos como estaria o Brasil agora sem a “revolução” dos militares. Não sabemos como seria nossa situação se os revolucionários da esquerda tivessem derrotado o regime militar. Melhor ou pior?

Também não sabemos para onde nos pode levar um agravamento do enfrentamento entre direita e esquerda, provocado por um aumento explosivo de conflitos iniciados por uma onda de invasões toleradas para confiscar propriedades na marra até um ponto sem retorno na lei.

Para que serve a gritaria contra o capitalismo sem a perspectiva realista de uma alternativa melhor? Bons capitalistas podem construir um capitalismo bom. Alguém dirá que o comunismo também seria bom com bons comunistas. Concordo. Uma experiência nesse sentido foi o “comunismo” dos primeiros cristãos, apontado como exemplo pela teologia da libertação.

Por que não deu certo, se foi tão bom? Por que foi que Paulo precisou fazer coletas para socorrer aquela comunidade? Talvez por causa de egoístas preguiçosos e aproveitadores que deixavam de trabalhar. Será que até os mais generosos que tinham colocado seus bens em comum foram perdendo sua dedicação ao serviço desinteressado? Coisa parecida pode acontecer com padres que começaram cheios de entusiasmo pelo Reino de Deus, mas vão perdendo seu primeiro fervor.

ALGUMAS TESES para pensar

A missão da Igreja é formar pessoas que conheçam Jesus e vivam de acordo com seus ensinamentos, sem querer enquadrar a todos nas estruturas deste ou daquele sistema econômico e político.

· Com capitalistas altruístas podemos ter um capitalismo bom. Por outro lado, com cristãos egoístas até o cristianismo se torna ruim.

· Neoliberais solidários podem melhorar a sociedade. Maus católicos podem causar estragos na Igreja e no mundo.

· Seria um desastre condenar o espírito de competição em nome do ideal cristão de fraternidade. Muitos países progrediram com a valorização da competição no seu sistema escolar. Nem o futebol funciona sem espírito de competição. Sem a livre concorrência e a competição entre pessoas e grupos competentes ainda estaríamos na idade da pedra, ou a caminho do Estado totalitário.

· Só teremos um Brasil melhor com brasileiros melhores.

Análise de alguns números do texto sobre a questão agrária.

As primeiras páginas fazem um histórico de textos sobre problemas agrários publicados com apoio da CNBB. O pior da história está no número 37, que fala da necessidade de se estabelecer um limite para a propriedade da terra. Tal proposta já vinha circulando em círculos da esquerda radical.

Até o texto base da CF 2010 convocou as Igrejas a participar num “Plebiscito Popular” de Campanha de Assinaturas no Grito dos Excluidos. Meus comentários sobre as ameaças latentes de tentativas de confisco de terras produtivas estão no texto anexo sobre mais um “Plebiscito” que tentei distribuir aos companheiros na Assembléia da CNBB.

Os números 39 a 49 têm um olhar pessimista sobre o mundo. Querendo ou não, estamos na cultura tecnocom, de tecnologia e comunicação. A situação dos pobres estaria muito pior sem o progresso da tecnologia. Mesmo com toda ciência vai ser difícil fazer a terra sustentar a vida de mais alguns bilhões ainda neste século.

Alguém pretende voltar ao mundo tribal, onde o espaço vital precisava ser conquistado pela eliminação de outras tribos? Tal situação pode repetir-se em escala mundial, se não aprendemos a renunciar ao consumismo egoísta para cuidar de um desenvolvimento sustentável. Quantos habitantes cabiam no Brasil daquele tempo sem volta que ainda desperta nostalgias românticas?

Para que perder tempo com queixas contra a globalização irreversível e contra o desemprego causado por máquinas? Melhor insistir na necessidade de mudar as prioridades do ensino. Multiplicar cursos técnicos, em vez de continuar a formar excedentes de doutores em cursos acadêmicos e deixar tantos jovens sem preparo prático para a vida real. Milhões de brasileiros não encontram emprego por falta de formação qualificada para o mundo atual e para o futuro.

Os números 50 a 59 constatam problemas para os quais já posso dar a minha contribuição pessoal com o a divulgação de um novo método de irrigação para melhorar a vida do homem do campo. Já tenho uma pequena floresta plantada sem desperdício de água. Com duas placas de energia solar para bombear um pouco de água estou vencendo a terceira seca. Explicações no Blog www.domcristiano.com.br, onde tem um filminho para quem quer ver para crer. Mas vejo agora que o homem da roça não está disposto a experimentar novidades que demoram para dar resultado.

60-62 Comparações históricas capengas. Os judeus do AT conquistaram terras da Palestina expulsando povos indígenas. Serve de exemplo?

130 … Estranhas afirmações sobre uma opção primária exportadora. Cada país exporta o que pode. É por preconceitos contra o agronegócio de exportação que o Brasil ainda não descobriu para valer a sua vocação de ser o celeiro do mundo futuro.

Por outro lado, por falta de investimentos em infraestrutura e industrialização, e pelo valor irreal do real, a nossa indústria tem dificuldade de competir no mercado global, e até no mercado interno. Importações baratas são favorecidas em nome do combate contra o bicho-papão da inflação. Os mesmos que criticam a exportação de produtos primários são contra a construção de novas siderúrgicas que acrescentam valor aos minérios. Acham melhor deixar os minérios enterrados para sempre.

O lucro fácil dos juros seguros sobre a dívida pública interna desvia recursos que podiam ser investidos no campo e na indústria. Estrangeiros tiram proveito da situação e compram terras, fábricas, hotéis, supermercados, ações. Não adianta criticar o capital financeiro nacional e internacional. Precisamos direcionar melhor os incentivos para apoiar a criação de empregos. Aliviar o peso da tributação do trabalho e acabar com impostos que encarecem produtos de primeira necessidade.

Será que os pobres que se queixam dos ricos, no lugar deles fariam melhor? A miséria de muitos tem sua causa também nas drogas e na desordem familiar, além das causas estruturais da falta de justiça social e de oportunidades para todos.

Muitos “capitalistas” que criticamos são católicos que nossas pregações não conseguiram formar melhor. Muitos políticos corruptos são de igrejas cristãs. Se o futuro se apresenta escuro, a responsabilidade é nossa também, se não conseguimos tornar os jovens de hoje resistentes às tentações das drogas e da promiscuidade, se não conseguimos ajudá-los a ter interesses que ultrapassem o egoísmo da procura imediata dos pequenos prazeres do consumismo.

Quanto às drogas, as igrejas fazem tentativas para recuperar viciados, mas deviam fazer mais para prevenir contra os caminhos de perdição que estragam o futuro de tantos jovens, começando na bebida ou na maconha, ou logo no crack. Será que o atalho do confronto que alguns apresentam como receita para construir um mundo mais justo daria resultados melhores?

A maioria dos bispos não tem conhecimentos técnicos em economia rural. Também não sou doutor em economia nem agronomia. Por outro lado, um simples bispo do interior da Bahia pode dar seus palpites no assunto, mas a CNBB não pode endossar a propaganda de velhos chavões de uma ideologia sem nome, nem de um bispo contra obras que lhe parecem prejudiciais para alguns. Obras importantes para o bem comum do país não podem ser sacrificadas aos interesses imediatos de poucos.

Na hora da filosofia voltar à escola devemos contribuir para não ser apenas história de teorias. Para que serve uma filosofia que tem medo da metafísica, da procura das últimas causas das coisas, um pensar que foge da questão da verdade?

119-129 Tenho certeza que desapropriar para fins de reforma agrária terras ociosas é muito melhor que tomar terras produtivas. Reconheço que não é fácil medir a produtividade de maneira justa.

No contexto da reforma agrária foi inventada uma expressão esquisita: latifúndio por produção. Neste sertão, onde teimosos que ainda plantam sem saber se vão colher, quase todas as fazendas podem ser desapropriadas como latifúndios por produção. Falta quem queira um pedaço para plantar. O êxodo rural aqui não é culpa do agronegócio, nem do latifúndio. Talvez do clima.

Numa região de chuvas escassas, nem o MST consegue arrebanhar pessoas interessadas em ganhar um pedaço de terra. Só se for para um assentamento à beira de um rio, ou na proximidade de uma cidade, com a doação de uma casa com luz e água na porta, e mais apoio do Governo com dinheiro de todos os outros que pagam impostos pesados sobre tudo que produzem e consomem.

A saída da miséria de cada pessoa depende dela mesma. Cabe aos outros e ao Governo colaborar na criação de oportunidades para todos poderem ganhar o seu sustento com seu próprio esforço. Quem não quiser trabalhar, que morra de fome. Em certas regiões, trabalhadores estão melhor que pequenos proprietários. Muitos já perderam sua terra. Talvez até um número maior que o número de assentados.

O pobre que desvia dinheiro para bebidas e outras drogas, e para mulheres, nunca vai melhorar. Quanto às mães abandonadas pelo “marido” e aos órfãos de pai vivo, como é que vão sair da miséria? A missão da Igreja é contribuir para formar pobres e ricos para a responsabilidade pessoal e comunitária no amor ao próximo. Se não conseguimos isso, não adianta fugir pelo desvio do confronto, da luta contra o “sistema” e contra os ricos.

145 … Não quero entrar nos pormenores de uma análise da situação que procura seus argumentos numa parábola (???) da criação (147), interpretada para encaixar na proposta do texto. Tem muitas afirmações bonitas demais diante da feiúra do mundo real. No sentido imediato da posse dos bens terrenos, onde está a vitória da justiça divina contra os poderosos deste mundo, no passado e no presente?

Quem quiser argumentar com o AT não pode ignorar a expulsão de povos indígenas pelo invasor judeu. Quanto aos problemas do mundo atual, Deus nos entregou a terra para tomar conta, limitando suas intervenções à obra invisível da graça nas pessoas de boa vontade. Enquanto falsos milagreiros proliferam, milagres verdadeiros ficam mais difíceis.

No auge da “teologia” da libertação, que tem sua própria chave de leitura para a escritura e para a realidade, passei a desconfiar da doutrinação da esquerda quando um representante da pastoral da juventude veio ensinar aos jovens da Catedral que todo rico era ladrão ou filho de ladrão. Na realidade, muitos têm mais que outros porque trabalhavam mais e gastavam menos, eles ou seus pais.

Economias comunistas fracassaram por falta do incentivo da possibilidade de ganhar mais trabalhando mais. A China começou a progredir quando voltou a respeitar o direito de propriedade para os trabalhadores melhores. Coisa de capitalismo.

223 … Teorias bonitas sobre formas alternativas de organização da vida social, cooperativas, associações. Só falta quem consiga formar mais pessoas que possam realizar coisas tão boas.

254, 3e5 A proposta curta e grossa do longo texto para estudo da CNBB me parece esta: Conseguir mais terras para acelerar a reforma agrária através de desapropriações de propriedades acima de um tamanho que falta definir. Insisto na minha advertência contra o envolvimento da CNBB na luta por leis radicais que só podem contribuir para aumentar conflitos perigosos para o futuro do país inteiro.

255 … As conclusões têm coisas boas, mas continuam insistindo nos falsos dilemas entre agricultura familiar e agronegócio, entre exportação e atendimento da demanda interna, entre direito de propriedade e melhoras para trabalhadores, e na fantasia genérica de modelos alternativos e nova ética de organização da produção. Nova ética só funciona com pessoas novas, coisa que não se consegue no grito.

Jequié, 25 de Maio de 2010

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