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Divergências na Igreja

Igreja com Divergências na Política

Sou um simples bispo do interior da Bahia, antenado nas coisas que acontecem no mundo e na Igreja. Aos olhos de muitos, a Igreja está dividida, para tristeza de uns e alegria de outros.

Toda eleição provoca divisões na Igreja. Não devia? Seria melhor que houvesse um partido só para os católicos, dirigida pela CNBB? Ainda bem que os católicos, tanto leigos como padres e bispos, podem ser de partidos diversos. Mais importante seria que estivessem unidos em questões de teologia e disciplina na organização interna.

As divergências na Igreja sobre questões de economia e posições políticas são anteriores às eleições de 2010. Surgiram diante de projetos sobre usinas hidroelétricas e outras obras do Governo. Cresceram com o Manual da Campanha da Fraternidade Ecumênica do CONIC, que endossou a campanha por uma lei arbitrária contra grandes propriedades rurais, proposta antiga de movimentos da esquerda agrupados no FNRA.

A proposta ficou no papel, até que foi apresentada na Assembléia da CNNB em Brasília, dentro de uma análise tendenciosa de muitas páginas sobre a questão agrária. Por falta de tempo para discussão, a CNBB publicou apenas um texto de estudo sobre o assunto. Mas a campanha de assinaturas (plebiscito?) por uma lei para confiscar as fazendas grandes, mesmo produtivas, foi apresentada como coisa oficial da CNBB e assumida na maioria das dioceses no grito dos excluídos.

Quando um arcebispo se manifestou contrário à realização daquela campanha na cidade dele, alguns o acusaram de estar do lado dos ricos e contra os pobres. Fizeram queixas à CNBB e ao Núncio Apostólico, chegando a requerer que o arcebispo fosse destituído da sua missão.

Certos setores de uma esquerda dogmática pretendem ter o monopólio de solução para todos os problemas e conhecer o único caminho que conduz a um país melhor para todos. Ainda enxergam na luta de classes a receita padrão para melhorar a vida dos pobres. São contra o agronegócio, contra projetos de irrigação e exportação, contra o aproveitamento dos imensos recursos naturais do Brasil, contra privatizações, contra um tal de neoliberalismo. Quando até a China adota o sistema capitalista na economia, ainda continuam lutando contra o capitalismo, sem ter alternativa melhor. A luta pelo confisco de terras vai incentivar os conflitos no campo. Na região de Ilhéus está surgindo outros conflitos, entre pequenos fazendeiros e descendentes de índios e de remanescentes de quilombos.

Nestas eleições, as divergências cresceram com a problemática do aborto e na polarização entre o Serra do PSDB e a Dilma do Lula, quando cada lado se apresenta como Salvador da Pátria e atribui ao outro as piores intenções. Os dois lados querem governar o país e lutam com as armas que conseguem para ganhar as eleições.

Suponho que ambos os candidatos queiram o melhor para o povo, e espero que o vencedor possa contar com a colaboração do perdedor para tudo que seja bom para o povo. Opções políticas divergentes entre membros da Igreja fazem parte do convívio na comunidade pluralista. É natural que entre padres e bispos também existam avaliações diferentes sobre qualidades e propostas dos candidatos.

O problema cresce com o envolvimento direto do clero nas lutas políticas. Duras lições da história levaram a Igreja Católica a querer que padres e bispos fiquem de fora das querelas da política partidária, para não prejudicar a sua missão de cuidar da unidade. Mas isso é questão interna de disciplina eclesiástica.

Ministros religiosos não podem ter seus direitos políticos cassados pelo Governo. Outras igrejas têm envolvimento direto maior nas eleições. Têm ate candidatos pastores que se fazem chamar de bispos.

A situação se complicou diante da questão do aborto. O segundo turno das eleições está provocando muitas queixas diante da posição ou falta de posição de bispos contra um partido que pretende deixar o aborto fora do alcance da lei civil.

O problema está na questão da competência e da obrigação do poder civil diante da realidade do aborto praticado em grande escala no mundo, mesmo em países onde é proibido pela lei civil. Até no nosso país de grande maioria cristã.

Está na hora de ir aos fundamentos filosóficos da questão, em vez de ficar na superfície da propaganda política.

A palavra PECADO tem origem na religião. Para qualquer cristão é claro que é pecado recorrer a práticas abortivas para livrar-se de uma gravidez indesejada. A Igreja deve proteger a vida, com ou sem o apoio da lei civil. Para a igreja católica, participar da realização de um aborto é pecado grave. A distinção entre pecados graves e pecados leves não quer dizer que esses últimos sejam coisa que possam ser praticadas à vontade. Por exemplo: Exagerar alguma vez na bebida não é pecado grave, mas não deixa de ser um passo na direção do alcoolismo que faz tantos estragos na vida pessoal e familiar. Quanto à mentira, sua gravidade depende da intenção e das conseqüências. Quanto à corrupção, sua gravidade depende do tamanho do prejuízo causado.

O cristão tem na Bíblia ensinamentos de Deus revelados por algum profeta. Pecar é desobedecer à Lei de Deus, resumida nos dez mandamentos que Moisés apresentou ao povo judeu faz trinta séculos. Não são leis arbitrárias para testar obediência. São instruções para proteger os direitos dos outros e melhorar a vida pessoal e o convívio em sociedade, a começar na família.

Boa parte do conteúdo dos dez mandamentos já constava de legislações anteriores a Moisés. Depois, Escribas e Doutores da Lei do povo judeu acrescentavam centenas de prescrições para interpretar e aplicar a Lei de Moisés em cada situação.

Jesus procurou deixar mais claro o sentido dos mandamentos, dizendo que a chave da compreensão e do cumprimento da Lei está resumida na Lei do Amor: Amar a Deus acima de tudo e amar o próximo como a si mesmo. Cristãos perfeitos não precisam de outras leis, nem da Igreja, nem do Estado. Por outro lado, para deixar mais claras as implicações da Lei do Amor, a Igreja acrescentou muitas interpretações e pormenores. Acontece que todo esse discurso não diz nada para pessoas sem fé.

Volto ao problema das relações entre Estado e Igreja em tempos de eleições. Falando em Igreja, penso na igreja católica, mas os princípios se aplicam a qualquer instituição religiosa. O Estado moderno, mesmo fazendo questão de recusar a tutela da Igreja, tem boa parte dos dez mandamentos sancionada na lei civil, chamando de crime as coisas que a Igreja chama de pecado.

O Estado procura fazer valer suas leis com fiscalização policial e punição aos infratores. A mentalidade legalista de muitos que só procuram cumprir a lei para não ser apanhados e punidos faz aumentar as transgressões, os crimes, a violência, os roubos e a corrupção, com a necessidade de mais e mais policiais e prisões.

Quanto à Igreja, não lhe cabe fiscalizar o comportamento dos fiéis e castigar os pecadores. Tenta formar a consciência dos fiéis para conhecer e realizar a vontade de Deus, mas atinge apenas a minoria dos seus membros. Assim, a promiscuidade entre jovens e o adultério, pecados não combatidos pela lei civil, estão minando cada vez mais os alicerces da família e da sociedade.

Diante de tentativas de liberação geral e irrestrita de práticas abortivas na lei civil, a Igreja não pode impor suas noções de pecado, mas pode e deve argumentar com a obrigação do Estado de defender os direitos humanos, sobretudo dos mais fracos, a começar com o direito básico, o direito à proteção da vida desde o começo.

Por que é que os cristãos que são maioria no país deveriam ser impedidos de manifestar-se contrários à descriminalização do aborto? O bispo de Guarulhos fez um apelo ao seu povo para votar contra um partido que tinha no seu programa a retirada de restrições legais contra práticas abortivas. O apoio do Regional Sul 1 da CNBB à sua posição deixou a impressão que era coisa oficial da CNBB. Isso levou a Presidência a declarar que apenas a Assembléia Geral, o Conselho Permanente e a Presidência podem falar em nome da CNBB, mas que bispos têm liberdade de dizer o que pensam.

Depois, outros bispos e setores da CNBB criticaram Serra e elogiaram Dilma, sem qualquer razão objetiva comparável ao peso da questão do aborto. Espero que toda essa polêmica possa servir para fazer valer a vontade do povo brasileiro que não quer a legalização irrestrita de práticas abortivas. Pelo menos o Brasil, o maior país católica do mundo, não venha negar a proteção da lei aos que estão querendo nascer. Diz o PT que a denúncia do seu projeto de legalização do aborto foi calúnia. Com isso podemos esperar que desista do projeto.

Jequié, 25/10/10, Dia da Cidade.

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